Marcus Harris: "Eu estive rodeado de maior riqueza da humanidade"
Por: Argola Isaque Argola
argolaisaque@gmail.com
Apesar de ser um artista do mundo e estar a residir em Lisboa (Portugal) o cantor e compositor Marcus Harris, não esquece as suas raízes, a sua Zambézia pulsa em seu peito aonde ele estiver. Harris além da música navega na literatura e tem no forno duas obras para serem lançadas em breve, um grande fascínio pelas artes plásticas.
No âmbito da sua nova direcção na carreira profissional, a Massala Arte entrevistou este artista de inúmeras diversidades culturais, Marcus Harris abriu-nos as portas da sua alma e falou-nos dos seus projectos e pretensões no mundo da arte.
Marcus Harris (Foto do Facebook) |
Massala Arte (MA)- Quem é Marcus Harris?
Marcus Harris (MH)- Marcus Harris é um cantor e escritor zambeziano que carrega Moçambique por onde vai. É de inacabáveis viagens na diáspora, mas com o coração e pés firmes sempre na terra que nasceu. Desde 14 de julho de 1973, ano que nasci, sou Moçambique representando a cultura.
MA - Quando é que que começa a cantar?
MH - A música faz parte do meu nascimento. Testemunhou a minha vinda ao mundo. Digo isso porque estive rodeado de uma família composta por cantores, amantes de letras e artes. Ela revitalizou o dom em mim. Se não era em casa que cantávamos era na igreja onde minhas tias lideravam as canções das missas, e aos ensaios eu era levado para lá, razão a qual afirmo que ela foi grande potencial na minha carreira musical.
MA- Um artista que nasceu no meio de artistas. Conta-nos dos seus momentos marcantes na actuação como cantor!
MH - São inúmeros. Mas vou me deter a dois. O primeiro na escola de Frankfurt, na Alemanha em 1995, quando fui convidado a gravar um CD num estúdio empilhado de "rapre's". Na minha chegada fui recebido por um caloroso abraço de Sizzla cujo sua saudação e elogio pela minha actuação no palco e a forma interventiva com conteúdos sociais, mexeu comigo. A partir daquele instante senti um arrepio de uma carreira sólida que conjugaria minha vida de cantar.
Outro evento foi em 2009 na Itália num concerto musical que concentrou vários artistas do mundo, onde ganhei como melhor na actuação em performance e articulação. Tive a atenção do fundador dos The Wailers Peter Tosh. The Wailers, grupo de cantares, tinha como figuras principais Peter Tosh e Bob Marley.
MA - Quem muito lhe inspira na música?
MH - A minha tia Astra Harris. Ela teve um tom impactante na minha vida. Tem outras figuras como Ras Kareka, Ras Skunk, Baba Harris, Azagaia, Ras Soto e Axikunda Materula, artistas que o seu estilo de música é de intervenção social. E a maior parte dos músicos clássicos.
MA - Estamos diante de uma situação pandémica que exige uma responsabilidade de cada um. Quais são as actividades desenvolvidas por si, para evitar a propagação massiva e rápida do vírus tanto no seu bairro como na sua cidade?
MH - A minha agenda desde 2019 a 2020 marquei para ficar livre de qualquer actuação musical, o que ajudou bastante na criação de tempo para ajudar os residentes na divulgação de mensagens para prevenção do novo Coronavírus. Saí para os bairros, às ruas a sensibilizar os mais novos, a faixa etária mais vulnerável, a não ficaram muito expostos em lugares públicos e a evitar o máximo possível as aglomerações. Com outros artistas juntamo-nos em pequenos grupos para pedir ao público maior disciplina através de músicas apelativas de modo a preservarmos a vida humana por meio da obediência das medidas de prevenção emanadas pelas autoridades de saúde e outras individualidades.
MA - Dois anos sem projectos para cantar ao público é bastante tempo. Em o quê está a trabalhar?
MH - Neste momento estou a dedicar-me a literatura. Tenho duas obras em andamento e tenho investido o tempo para terminar as mesmas. Uma tem o título "O beijo da concubina" que acontece em dois espaços geográficos, Cidade de Maputo e Belo Horizonte. É um pouco da história da nossa sociedade moçambicana. O beijo é dado a um solteiro pela uma mulher casada. A outra obra é "O erguer da criança moçambicana" um retrato de dilemas, vivências do nosso país. A minha escrita está mais voltada para a crítica construtiva com enfoque a política, a governação, a cumplicidade da sociedade em actos insanos dos dirigentes, a violação de direitos humanos entre outros temas presentes na nossa amada pátria.
MA - De cantor para escritor, como nasce o ser escritor em si?
MH - Eu estive rodeado de maior riqueza da humanidade. A cultura pela literatura em nossa casa era obrigatória e, havia uma biblioteca com inúmeros livros de prosas, romances, contos, etc. O falecido escritor Eduardo White que casara com a minha prima, um companheiro indescritível, alimentou a minha paixão pela escrita. Fernando Pessoa que, quase tinhamos todas as obras literárias dele, também serviu de uma "baliza" para marcar meus golos de letras nos papéis. Muitos e outros autores moçambicanos e além fronteiras fizeram parte do meu quotidiano.
MA - Esta diversidade cultural leva-nos a considerar-lhe artista de fundo que pinta às cores qualquer arte. Para já, em que área se concentra a sua inspiração artística?
MH - Artes plásticas. Sou fascinado pelas pinturas, as imagens, as cores, o representado em telas. Isso porque, para eu representar o meu pensamento desenho primeiro em mente, para produzir a letra de uma música desenho antes em uma tela imaginária, para escrever o texto há um quadro presente que precisa ser pintado para dar vida as letras e represento toda minha vida em artes plásticas, elas dão-me equilíbrio emocional e espiritual.
MA - Se tudo que faz primeiro pinta, quantos quadros já pintou e publicou?
MH - Tenho muita admiração pelos artistas plásticos. A forma que costuram as informações na tela, a mistura das cores para dizerem o que pretendem transmitir para o público. Minhas peças só ajudam-me a representar o espiritual em realidade. Daí que nunca publiquei os quadros. Fico desafiado e acho-me menor diante dos gigantes de peças plásticas. Eis o receio de apenas as armazenar em meus aposentos.
MA - Marcus Harris é ousado em desafiar-se diante dos classificados aos melhores da música e escrita, mas se diminui face aos artistas plásticos. Que sentimento é este?
MH - É outra arte que não partilho, mas a sua ousadia tocou o meu espírito de poder falar sem barreiras e livre. Falo da arte da meditação a qual me dedico a bastante tempo. Na medida que desenho contemplo quem eu sou. E o meu objectivo é mostrar a pluralidade cultural em mim, não a singularidade. A meditação é bisbilhotar minha vivência. Nela acho calmaria e a serenidade. Consigo acalmar minhas dores, tranquilizar minha alma. Horas e horas cruzo comigo por todas as partes da Europa que viajei. Relembro a recepção inimaginável da cultura em Tóquio, a cidade com uma realidade tecnológica bem avançada, as memórias do primeiro Samurai africano. Sou levado ao convívio de gentes inesquecíveis de Cape Town, Cidade do Cabo, na África do Sul e percorro por todos contentes que viajei nessas horas. E chego a realizar a viaja dos sonhos para Austrália, aventura por concretizar. Então fico preso apenas a contemplar a minha singularidade nas telas.
MA- Fale um pouco das memórias que guarda da terra mãe!
MH - Olha, Moçambique é onde nasce tudo. Lembrar minha infância na presente era, na nova luz reaviva o aprendizado que recebi na meninice. Deixar que o outro viva os gostos, as escolhas e suas ambições é a forma de manter paz que fui ensinado pelos meus pais. Por isso respeito a religião que cada um decide professar, crenças que foi ensinado a seguir. Haviam momentos que saímos pelas ruas a brigar e cada um devia se defender por si. Um momento sublime e ridículo, com vivências típicas e particulares. Noites de apreciar o escuro, de andar pelas ruas da cidade, conversar com amigos. De Quelimane para Maputo e de Moçambique para Portugal quando os meus pais se mudaram para terras dos meus avós paternos, sãos muitas memórias.
M- Passam anos viajando pela diáspora. Quais são as suas fortes influências culturais?
MH - Eu sou uma mistura de moçambicanidade. Nossa terra e nossa cultura é maior riqueza tão importante de valor inestimável. Ela é de valor indestrutível. Meus pais sempre assumiram valores dos nossos ancestrais, os africanos de raízes, eis a razão que minha filha Madalena de 12 anos de idade, mesmo tendo sido nascida e residindo em Lisboa tem identidade cultural moçambicana. Até anda a mexer "nádega" a uma zambeziana. E quando lhe perguntam: de onde vem? onde está? para onde vai? Responde em uma só vez - Moçambique. Apesar da nossa sociedade ter sido sequestrada pela civilização, existem pessoas enraizadas na africanicidade.
MA - Qual é o instrumento musical que gosta de usar?
MH - A voz. De todos os instrumentos musicais que usei, a voz está no topo da lista dos instrumentos vitais do meu viver. Na Alemanha, na escola de Frankfurt, ensinaram-me que precisamos de ter instrumentos como um laboratório e acima de tudo saber rentabilizar o tempo para aprimorar seu uso. Apesar de não gostar de escutar minha voz por repetidas vezes devido ao tom que recebo em retorno, amo mexer nela.
MA - Que voz ideal que gostaria de ouvir saindo das suas cordas vocais?
MH - O tom grave, ao timbre de um macho, estilo meu pai.
MA - O que gosta de ver e ouvir que eleva a sua alma?
MH - A tropicalidade da Zambézia, o estilo típico de fazer música. O estilo de música de Zé Pires, Nelton Miranda, Arnaldo Miranda é uma raridade. A música clássica, o som de Mozart, as misturas instrumentistas, o teatro, a ópera, bandas sonoras, jazz, abrem em mim um horizonte indescritível.
Este abraço.Floresça a nossa cultura.A voz irradie e se proponha caminho de múltiplas afirmativas.
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