Cinco poemas de Orlando Mendes para celebrar seus 104 anos de idade
O escritor e poeta moçambicano, Orlando Marques de Almeida Mendes nasceu a 4 de Agosto de 1916, na ilha de Moçambique.
Licenciou-se em biologia pela Universidade de Coimbra, onde trabalhou como assistente de botânica. De volta a Moçambique, foi fitopatologista e actuou no Ministério da Agricultura como pesquisador de medicina tradicional.
Orlando Mendes |
Estreou na literatura sob a influência do neo-realismo e do movimento "Presença". Promoveu a literatura moçambicana, à frente da Associação dos Escritores de Moçambique e também com seu trabalho de editor.
Ganhou o Prêmio Fialho de Almeida, o prêmio dos Jogos Florais da Universidade de Coimbra (1946) e o Prêmio de Poesia no concurso literário da Câmara Municipal de Lourenço Marques.
Produziu uma vasta obra literária, como Trajectória (1940), Portagem (1966), Um minuto de Silêncio (1970), A Fome das Larvas (1975), Papá Operário mais Seis Histórias (1983), Sobre Literatura Moçambicana (1982), entre outros. Em 1990, Orlando Mendes faleceu em Maputo, com 74 anos de idade.
I
Não, mas
Não fome nem sede nem cio
nem desejo de aventura
não o grito que percutiu
contra o medo que vos mura
não regras nuvens que adensam
e deslizam para o mar
não chuva implorada bênção
sobre a terra de semear
não a mão febril que deslavra
sofismado túnel da sua
liberdade. Mas a palavra
que se catapulta da rua
e nos sonos profundos lavra
como fogo que não recua.
II
Manhã
Quando a verde savana
é uma bandeira húmida batida pelo sol
as corolas se abrem lentamente
como tem de ser
esvoaçam cintilantes abelhas
e sugam o néctar essencial
e levam o pólen a outras flores
como tem de ser.
Toca cherila na machamba
e mufana não responde à chamada
três vezes repetida
como tem de ser
parte a descobrir flores abertas
e de corpo envolto na bandeira verde
o rosto agudo irradia luz
e os olhos incendeiam a manhã
porque o sol não queima epidermes da sua cor
como também tem de ser.
III
Juventude
É no tempo dos explícitos cantares
à luz do dia e na escuridão da noite
até uma explosiva prova de acção.
É o tempo das dúvidas inconfessáveis
os cigarros ardendo e o café já frio
e o rosto impassível atrás do jornal
contra a devassa de anônimos vigilantes.
É o tempo dos assaltos ao trânsito
imaginando as máscaras arrancadas
e a beleza de a riqueza como seriam
se não coexistissem incólumes com
ignorância e miséria e violência.
É o tempo da solidão entre as gentes
e de solitário sentir a multidão na savana.
É o tempo de não ter fé e crer ainda
na dádiva total por um beijo de amor
e pela sinceridade dum aperto de mão.
É também o tempo de receber-transmitir
uma secreta raiva chamada esperança.
Tempo que o pudor adulto faz caducar.
IV
Exortação
"Jovem, se tens exercícios de literatura
escritos há mais de um mês, destrói-os.
Rasga-os ou queima-os de preferência
(consta ser universalmente mais ortodoxo)
e se a chama te chamuscar unhas e pele
e as sujar a cinza, não queixes a dor
e lava-te. Destrói-os. Guarda-os todavia
fiéis na memória, palavra por palavra,
para que possas transmiti-los a um amigo
quando depois do venal acto de amor
forem também vender a irresistível suspeita
da tua voz trémula e dos teus outros actos.
Mas não deixes de escrever. Peço-te que não."
V
Dedicatória
Aos poetas que pensam e dizem versos
mas não os sabem escrever
e por isso anónimos lhes chamam.
Nas rochas corroídas pelo sal de outros mares
navegados para implantar espada cruz e poder
nas rochas onde o luar desnuda o silêncio
pulsando canções da noite assim povoada
e que o sol inflama e semeia
sobre as efémeras gostas de cacimba
renovadas com cintilações das estrelas,
aí eu gravarei seus nomes.
E os amantes pressentindo
os hão-de perguntar e saudar.
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