Obedes Lobadias: " sou feito de tantos sonhos que mal sei qual é o meu maior sonho"
Por: Nwatshukunyane Khanyisane
Esta é o tipo de entrevista que começamos pelos sonhos e, depois viajamos pela poesia. Isso porque entrevistamos o jovem declamador, poeta, escritor e activista social Obedes Lobadias. Não estranhem a pergunta inicial, sonhos movem o mundo e Obedes Lobadias é movido de tantos sonhos, também pudera.
Do seu currículo artístico-literário, já participou em diversas antologias na terra do "samba (Brasil), nomeadamente: " Leveza da alma" em 2014, "Entre o samba, o fado e a poesia (2015), "Em todos os ritmos da poesia (2016) e "Todos os tons da poesia" (2017). Em Camarões participou da Antologia "melhores novos poetas africanos 2016". E Em Maputo "Soletras esse verso" (2018).
Fez uma participação no filme, "pequeno escritor" do realizador Júlio Silva e foi membro fundador do movimento artístico-literário "Universos". Obedes Lobadias já realizou diversos espetáculos de poesia no âmbito do seu projecto "Quando Aconteço", e é considerado um dos melhores declamadores de poesia no país.
Obedes Lobadias |
Massala Arte (MA): Qual é o teu maior sonho?
Obedes Lobadias (OL): Antes eu tinha a resposta para essa pergunta, mas descobri que sou feito de tantos sonhos, que mal sei qual é o meu maior sonho, talvez todos, ou ter vida suficiente para os (vi)ver reais.
MA: O que acha da escrita moçambicana na actualidade?
OL: Os críticos teriam uma resposta mais bem construída e não os quero tirar o lugar, é mal.
Não que eu não me auto-critique, ou não tenha uma opinião clínica, digamos, sobre uma e outra coisa, mas porque cada um tem a sua função. E, falar de actualidade é mesmo que falar de um rio, as vezes a gente só tem a certeza do mar ou da nascente, mas as fronteiras do próprio rio (se é que um rio tem fronteiras), digo, o leito e o afluente, nem sempre a gente sabe onde ficam, ou o contrário é o contrário.
Confesso-me confuso, mas é que não sei aonde começa a actualidade e nem onde termina. Mas sinceramente digo, muitos de nós ainda temos muito que buscar e exercitar, somos traídos pelos aplausos e falsos elogios e sentimo-nos os tais e esquecemos que nunca se está pronto, é sempre um exercício.
MA: Quais são as dicas e/ou conselhos, que o Obedes dá aos néofitos poetas e declamadores moçambicanos?
OL: Que não subamos a escada pelo terceiro degrau, respeitemos cada passo. Não tenhamos medo de continuar o que já vem sendo feito, nem de começar novas coisas. Que não sejamos uma ilha e talvez nem o contrário, mas sejamos sempre a melhor coisa que podíamos ser. Mais uma vez pulei.
MA: Há uma contradição uns consideram o Lobadias Cronista e outros poeta? O Obedes além de poeta é Cronista ou é um equívoco?
OL: Os que se contradizem é que tem os melhores fundamentos para uma resposta certa. Não sou eu que me contradigo. Eu apenas liberto-me das palavras que me invadem, tento jogar mais água nessa fogueira que a vida vive acendendo dentro de mim, e parece-me que ela acende mais a cada gota.
Mas tudo bem! será que a poesia não pode emprestar o senso da crónica e esta por sua vez, é tão dura que não se permita ter alguma poesia? Não sei! E é proibido cruzar os genes da crónica e da poesia e deixar nascerem novos seres? Afinal, o que é poesia? O que é crónica? Não sei, eu apenas escrevo, o texto é que escolhe a sua forma, mas também acredito no contrário em dar forma ao texto quando convém.
Não sei se seria verdade, mas não seria mentira pensar que o declamador também é poeta, o problema é ele não ser apenas poeta. Um declamador é um sujeito que se dedica à esta arte de descobrir ou dar alma, carácter e voz à palavra. Um intérprete, um criador de possibilidades à volta de um determinado texto, um tradutor de sentimentos e pensamentos. Um declamador prova que a palavra é um ser vivo que só não cumpre com a sua última fase: a morte. É no mínimo esta a sua função, mas há mais que se diga, eu posso acabar tautológico.
MA: Admiras alguns declamadores moçambicanos? Se sim. Quem são?
OL: Não vou citar nomes. Mas permita-me dizer que deixei de ouvir os declamadores, agora ouço e vivo a declamação em si. Depois é que procuro ver quem é o declamador, reconhecer ou não a sua excelência. Admiro à todos, a cada um na mais sincera medida, dentro dos conceitos, em que acredito ou não, de declamar, mas que temos bons declamadores, isso é uma lei irrevogável, porém, volto a reiterar que nunca se está pronto, é tudo um constante exercício, muitos de nós precisamos trabalhar.
Todos os exercícios que um artista, independentemente da modalidade artística tem, eu tenho estado a pesquisar, estudar, criar ou recriar e aplicar, aperfeiçoar várias técnicas e maior parte delas, são resultado do que ninguém talvez dá conta. E tenho pensando que temos declamadores de diferentes níveis e cada nível têm exercícios próprios.
MA: Se fosse pra dar uma definição de poesia. Qual seria?
OL: Não saberia definir poesia, eu aceito cada uma que me ocorre como um conceito.
MA: Quais são os escritores moçambicanos que admira? (podes dizer alguns internacionais).
OL: É complicado falar de nomes. Tenho sim referências nacionais e internacionais, na declamação e na escrita, mas não me convém partilhar por enquanto (na vez certa partilho), algumas já devem imaginar, pois os bons são bons nem que a gente não ache.
MA: O que falta para a poesia moçambicana ser dançada?
OL: Talvez ela não precise ser dançada. Talvez. Mas por outro lado, penso que toda a chuva precisa de nuvem, e há toda uma cadeia de factores que possam permitir tal facto. Isso envolve à todos (todos mesmo).
Mais do que o acesso ao livro para todos, a noção da importância da leitura, da literatura, da poesia e de todas as artes para o desenvolvimento do homem e do mundo. Eu tive a bênção de ter pais que conhecem a preponderância da leitura, ter professores com a mesma noção, ter amigos, viver, trabalhar e vou morrer em lugares para os quais o livro é serventia da casa. Isso, se eu morrer.
Para que a música seja dançada por todos, precisa ser ouvida por todos, precisa chegar à todos, ainda que cada um dance depois à sua maneira. Mas antes de ser ouvida por todos, precisa ser trabalhada na qualidade ideal para todos. E, entenda-se aqui o "todos", as utopias são necessárias para fazer crescer a vida, mas não é por aí. Há muito por se falar, contenho-me de derrapar ainda mais.
MA: Como é que o Obedes trabalha neste distânciamento social, por conta da pandemia e do estado de emergência decretado pelo Governo?
OL: Entendo o significado da palavra emergência e tenho pouco que reclamar, faço valer a minha noção, mas não posso negar que as consequências tem duas faces: uma que é a minha protecção face à pandemia e é positiva, outra que é a agressão não só como artista, mas como qualquer ser humano, pois alguns direitos meus estão por ora suspensos. Então, como activista, nada mais que a difusão de informação útil e sensibilizar as pessoas a tomarem consciência. Como artista tentar oferecer conteúdos, que tentem proteger as pessoas doutra pandemia, que às sombras poderão dar cabo de muitos de nós: falo dos problemas psicológicos.
Simplesmente emocionante.
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