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Odisseia de uma alma que nasceu da prosa

Descobrimos que o espírito pode aventurar-se, ganhar asas e voar pelo infinito, entre rios, árvores e mares. Feliz ou infelizmente nem todos nós temos essa capacidade inventiva de transportar a nossa alma para outros planos da africanidade e moçambicanidade, mas o poeta Morgado Mbalate nos faz um convite para embarcarmos com ele na “Odisseia da Alma”, quem sabe lá conseguiremos desvendar os segredos que permeiam este jovem amante das palavras. Não vamos apresentá-lo nestas linhas introdutórias de uma forma alongada, talvez dizer que mora na cidade da Matola, tem 25 anos de idade, formou-se em filosofia e desde cedo interessou-se pela leitura e escrita. Durante a sua carreira recebeu algumas menções honrosas em concursos literários internacionais, destacando os seguintes: prémio internacional de poesia Nósside (2014) e prémio Fernanda de Castro do IV concurso internacional de poesia  e prosa (2017). Está escrito em diversas antologias internacionais, tem suas poesias publicadas em várias revistas e jornais, em 2016 foi colaborador da Rádio Cidade das Acácias e actualmente é colaborador do Por dentro da África. O resto o caro leitor descobrirá ao longo dessa odisseia.


Massala Arte (MA): Quem é Morgado Mbalate?

Morgado Mbalate (MB): Sou um jovem moçambicano, moro na cidade da Matola. Sou formado em filosofia e especializado em recursos humanos pela Universidade São Tomás de Moçambique. Na adolescência por causa das leituras que fazia acabei seguindo o caminho da escrita literária e neste processo fui descobrindo que a literatura é mais que a escrita e que no fundo existem critérios que a norteiam.

MA: No universo da leitura, qual foi a obra literária que te impulsionou a começar a escrever?

MB: Bem cedo tive o privilégio de possuir livros em casa, porém, os mesmos eram infantis. Quando frequentava o ensino Secundário Geral, concretamente na décima segunda classe, comecei a escrever versos de amor para uma colega que amava. A partir daqui já trocava livros com os colegas e tive o privilégio de ler a obra “Venenos de Deus Remédios do Diabo” do escritor moçambicano Mia Couto. De certa forma, posso dizer que este foi o livro que me despertou para o mundo da literatura.

MA: Visto que despertou para literatura através da prosa, neste caso com a obra de Mia Couto. Como estabelece a ponte entre este estilo literário e a poesia?

MB: Primeiro dizer que realmente entrei para poesia através da prosa, no entanto como já vinha escrevendo versos de amor para a minha colega que enamorava, acabei esquecendo essa forma literária e fiquei definitivamente na poesia. Confesso que prefiro a poesia que a prosa, embora Mia Couto diga que, mesmo na prosa há sempre uma poesia.

MA: Em que momento da sua vida decidiu levar a escrita literária como carreira?

MB: Isso aconteceu no término do ensino Secundário Geral, lia alguns poemas na sala de aula, mas tudo isso ainda não constituía nada profissional. Quando entro na Universidade, começo a conhecer a literatura propriamente dita, nesta fase conheci novos poetas emergentes como Eduardo Quive, Jaime Muguambe e Hirondina Joshua respectivamente. Expandia meu trabalho publicando meus textos no Facebook. Foi através desta rede social que a poetisa brasileira Nara Rúbia Ribeiro teve contacto com um dos meus textos que tinha como tema Particularidades do meu ser e junto de outros poetas jovens moçambicanos publicou na página do Mia Couto e desse modo acabei conectando-me a literatura de forma séria e iniciei o projecto do meu primeiro livro.

MA: Quando surge a oportunidade para publicar a sua primeira obra?

MB: Primeiro recebi uma proposta da Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora que é presidida por Delmar Maia Gonçalves, moçambicano radicado em Portugal. Antes publiquei uma antologia com ele e alguns poetas moçambicanos que já mencionei. Foi então que me propôs que publicássemos um livro, entretanto teve alguns problemas de força maior e a obra na chegou de ser publicada. Algum tempo depois recebo um convite da Edições Esgotadas, mandei-lhes os originais e foram aprovados e confesso que fiquei feliz porque pensava que meus textos não tinham valor.

MA: Quando pensou na “Odisseia da Alma” por acaso imaginou a odisseia de Homero ou foi um título que te veio na mente de forma esporádica?

MB: Foi um título que apenas me surgiu na mente e na verdade tinha outra opção que é Milionário do Sonho, mas acabei descartando. A relação fui descobrir depois, quando comecei a estudar a história da filosofia antiga grega.

MA: Descrevendo detalhadamente a sua obra, que odisseia essa alma esta realmente a percorrer?

MB: Primeiro dizer que odisseia como palavra significa uma aventura, ou seja uma viagem cheia de aventuras. Assim, eu quis dizer que são aventuras da minha alma que vaga desde o período da minha adolescência até o tempo que conheci a escrita. Minha alma empresta temas como a liberdade, o amor, o sagrado e tantos outros.

MA: Na obra há uma sublime exaltação a natureza, porquê?

MB: Isso deve-se a influência que tive do escritor brasileiro Manuel de Barros e do Mia Couto. Estes são poetas que exaltam muito os rios, as aves e a natureza no seu geral. Assim como Mia foi influenciado pela prosa de João Guimarães Rosa eu também fui inspirado pela de Manuel de Barros.

MA: Um outro aspecto na sua poesia é a glorificação da moçambicanidade, algum motivo especial?

MB: Estive envolvido num projecto denominado Por dentro da África, da jornalista brasileira, Natália da Luz. Ela pediu-me poemas que priorizassem a moçambicanidade e a África, pois a mesma tem uma revista que aborda aspectos relacionados ao continente negro. Fiz um misto de Manuel de Barros que é a exaltação da natureza com o espírito africano e foi uma forma de resgatar a nossa poesia de combate feita por José Craveirinha e Noémia de Sousa.

MA: Como foi recebido o livro pelos seus leitores?

MB: O livro foi muito bem recebido, até hoje tenho tido solicitações, em linhas gerais tive críticas positivas. A única situação negativa tem a ver com a forma de distribuição do livro que se tornou difícil porque a editora está em Portugal e os custos de importação são elevados. Os pedidos de apoio que submeti a algumas entidades resultaram em fracasso, entretanto estou feliz porque a disposição da obra em formato digital acabou facilitando a sua aquisição.

MA: Sendo formado em filosofia a tua poesia carrega algum aspecto filosófico?

MB: Não. É o que acontece com a prosa, leio-a mas depois escrevo poesia. Quando sou poeta, não divago na filosofia, fico apenas naquele género literário em concreto.

MA: Não acha que há uma relação entre a poesia e a filosofia?

MB: Eu creio que há. Estive a ler um texto de Octávio Paz e ele disse que a poesia em si é uma arte revolucionária e a filosofia também tem um pouco desse espírito. Aquando da morte do poeta Manuel de Barros, Mia Couto afirmou que este não fora apenas um poeta, mas também um filósofo. Um poeta é um filósofo e um filósofo é um poeta, porém no meu caso quando escrevo poesia não estou a pensar como um filósofo, mas como um poeta.

MA: Quais são os escritores que podemos encontrar na sua poesia, além de Mia Couto e Manuel de Barros?

MB: O brasileiro João Guimarães Rosa e o moçambicano José Craveirinha. Tive também alguma inspiração da Paulina Chiziane, mas não chegou a ser influência. Basicamente são estes escritores que admiro.

MA: Na sua opinião qual é o melhor poeta de todos os tempos?

MB: Para mim é Manuel de Barros. Porque a poesia dele tem uma grande dimensão humana e por ele gostar de escrever sobre a natureza. Este poeta valoriza as coisas pequenas, as insignificâncias ou seja o que é insignificante é o que tem mais valor em sua poesia.

MA: Qual é o seu maior sonho como poeta?

MB: Meu maior sonho era publicar um livro, graças a Deus já publiquei. E hoje o meu sonho é lançar outro livro (risos).

MA: Em uma única palavra com se define como poeta?

MB: Simples.

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