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“Minha Shuga”: entre o luxo do amor e o vício do consumo

Por: Xisto Fernando

Num cenário urbano onde o romantismo é frequentemente filtrado por filtros de Instagram e sonhos de ostentação, Dygo Boy e Bander oferecem-nos “Minha Shuga”, uma canção que mais do que cantar o amor, o consome — como um produto, como uma marca. Lançada como parte do álbum Frescolândia Vol. 1, a faixa tornou-se um hino pop nas pistas e nas ruas, mas também um espelho da juventude moçambicana contemporânea, dividida entre o desejo de afecto e a necessidade de status.

Dygo Boy e Bander 

A “shuga” como figura social

A palavra “shuga” — derivada de “sugar” (que em português significa, açúcar) — remete-nos ao universo das relações em que o amor, ou algo parecido com ele, se mistura com interesses materiais. Não é um conceito novo, mas em “Minha Shuga” é ressignificado: não se trata apenas de uma mulher sustentada por um homem rico, mas de uma relação de troca afectiva onde ambos, homem e mulher, partilham uma fantasia de ascensão e prazer.

A “shuga” é tratada como símbolo de poder feminino e objecto de desejo simultaneamente. Esta dualidade é o ponto mais interessante — e controverso — da música: celebra-se a mulher empoderada, mas também se recorre a clichês de beleza, luxo e consumo como provas de valor.


Produção sonora: entre o afro-pop e a sedução digital

Musicalmente, a canção é uma fusão habilidosa de afro-pop com elementos electrónicos que piscam o olho ao R&B contemporâneo. A produção é limpa, sensual, bem estruturada, com ênfase nos refrões e numa base rítmica que convida à dança tanto quanto à contemplação.

Bander, com a sua voz melódica e sedutora, é o contraponto ideal para o flow mais directo e carismático de Dygo Boy. Ambos constroem uma narrativa a dois tempos: a sedução e a celebração. Não há aqui um conflito dramático, mas uma exaltação do estilo de vida aspiracional — onde o amor é servido com champanhe e selfie.


Cultura pop e o retrato da juventude urbana

“Minha Shuga” faz parte de um novo arquivo simbólico da música urbana moçambicana, em que os temas clássicos — amor, desejo, pertença — são reconstruídos à imagem das redes sociais, da estética trap e da lógica do consumo. A canção fala para uma geração que procura validação emocional e social através da aparência, da posse e da performance pública do afecto.

Este tipo de narrativa pode, para alguns, parecer superficial. No entanto, é também profundamente reveladora de um tempo em que os afectos já não se exprimem apenas em cartas de amor, mas em likes, brindes e hashtags.


Crítica ou espelho?

Importa perguntar: “Minha Shuga” é uma crítica ou um espelho da sociedade actual? Talvez ambas. Ao exagerar nos estereótipos, Dygo Boy e Bander oferecem-nos uma caricatura tão exagerada que se torna real. Não nos dizem como o amor deve ser, mas mostram como ele é muitas vezes vivido — com desejo, com interesse, com filtros e brilho.

“Minha Shuga” é uma música que se dança antes de se pensar (muitos críticos consideram a música banal,— mas quando se pensa, revela-se um artefacto poderoso da cultura urbana. Uma crónica pop sobre os afectos capitalizados, onde o amor ainda é possível, mas precisa de um bom telemóvel, uma conta recheada e um sorriso perfeito para ser notado. E isso, por si só, diz muito sobre nós.

A canção Minha Shuga não foi escrita para a elite — ou, pelo menos, não para os que se dizem apreciadores da arte erudita. Muitos entre eles apressam-se em classificá-la como um som banal, sem densidade nem mérito. No entanto, de banal essa melodia nada tem. Por trás do ritmo aparentemente leve, esconde-se uma crítica mordaz aos afectos líquidos da juventude actual, aos seus haveres amorosos voláteis e às transacções sentimentais que hoje se disfarçam de paixão.








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