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sábado, 11 de abril de 2020

Cinco poemas de Rui de Noronha

António Rui de Noronha nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo à 28 de Outubro de 1909. Mestiço, de pai indiano, de origem brâmane, e de mãe negra, foi funcionário público (Serviço de Portos e Caminho de Ferro) e jornalista. Com apenas 17 anos colaborou no O Brado Africano. Na fase inicial produzia três contos, que correspondiam ainda a uma fase de embrionária da sua afirmação literária.  Só em 1932 perseguiu a vida literária com mais atrevimeto, intervindo com altivez na vida do jornal, chegando mesmo a integrar o seu corpo directivo.

Muitos dos seus poemas, porém, ainda se encontram inéditos, ou então esquecidos na Imprensa, como é o ocaso de "O Brado Africano", na década de 30.

Poeta de transição, e vivendo numa época em que os escritores moçambicanos ainda não tinham tido a oportunidade de acordar a sua consciência para as mensagens poéticas de conteúdo social, caracteristicamente moçambicanas. Por outro lado limitado como estava pela repressão cultural em que utilizar a África real como fundamento/tema-chave era imediatamente alvo do exercício diário da censura. A obra de Rui de Noronha ficará marcada como o primeiro sinal expressivo, o precursor, de uma nova fase da poesia moçambicana, que viria mais tarde a alcançar o verdadeiro ponto de ruptura com o passado.

Uma desilusão amorosa, causada pelo preconceito racial, fez, segundo os seus amigos, com que o escritor se deixasse morrer no hospital de Maputo,  em 1943, aos 34 anos de idade.

I

Chuva miudinha 

Cai uma chuva gélida, miudinha, 
Que mal soa nos zincos dos telhados. 
Chuva que gela o corpo, gela a espinha, 
E um dia inteiro deixa-nos gelados.

E cai, cai sem cessar, pó de farinha 
Que nos deixa na rua enfarinhados. 
Cai sem cessar, eterna ladaínha, 
Nos nossos corações ajoelhados...

um vento agreste as árvores perpassa, 
Desenrolando um manto de desgraça 
Sobre a paisagem húmida, encolhida...

E a chuva continua triste e mansa,
E na minha alma à mesma semelhança, 
Cai-me o Passado em chuva comovida...

II
 Há luz do poente 

Há pouco 
Estando olhando o mar, 
Tive um desejo louco 
De nele me deitar. 
A água tão quieta, 
Tão limpa e cintilante, 
Punha-me pena de não ser poeta 
Um só instante, 
Para montar-lhe o dorso e ir o mundo fora 
Tangendo as leves ondas; 
Cantando a luz da Aurora 
As pálidas giocondas, 
E a grande desventura 
Dos que ela enfeitiçou 
E numa noite escura 
Sepultou… 
Dourando-a de revés, 
O sol descia lentamente, 
E havia no poente, 
De quando em vez 
hesitações de ouro 
Que punham um brando coro 
De nostalgia 
Nas folhas mais erquidas do arvoredo 
Que oscilando a medo 
Olhavam tristemente o fim do dia… 
E então 
mesmo vestido 
Vencido o coração, 
Vencido o meu sentido, 
Eu fui entrando, pouco a pouco, 
Lentamente… 
E ali me pus nadando como um louco 
À luz do poente…

 III
África – Surge et Ambula" 

"Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo...
O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E tu dormes no outro o sono teu infindo...
A selva faz de ti sinistro eremitério
Onde sozinha à noite, a fera anda rugindo...
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo...
Desperta! Já no alto adejam negros corvos
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente em carne de sonâmbula.
Desperta! O teu dormir já foi mais que terreno
Ouve a voz do Progresso, este outro nazareno
Que a mão te estende e diz:
África, surge et ambula!"

Obra de Gilberto Muzilene

 IV
Carregadores

A pena que me dá ver essa gente
Com sacos sobre os ombros, carregadíssima!...
Às vezes é meio-dia, o sol tão quente,
E os fardos a pesar, Virgem Santíssima!...

À porta dos monhés, humildemente,
Mal a manhã desponta a vir suavíssima,
Vestindo rotas sacas, tristemente
Lá vão 'spreitando a carga pesadíssima...

Quantos, velhinhos já, avós talvez.
Dez vezes, vinte vezes, lés a lés
Num dia só percorrem a cidade!

Ó negros! Que penoso é viver
A vida inteira aos fardos de quem quer
E na velhice ao pão da caridade...

V
 Por amar-te tanto 

Que culpa terei eu de amar-te assim?
Que culpa terás tu de o não saberes?
Quem adivinha o que se passa em mim?
Como hei-de adivinhar o que tu queres?

Oh! Corações secretos de mulheres!
Oh! Minhas ilusões, mágoas sem fim!
Porque hei-de eu ter só mágoas, não prazeres,
por tanto te querer, doce jasmim?

Tudo, que sob a luz do sol existe,
alegre é num momento e noutro triste,
só eu herdei apenas dor e pranto...

O mais humilde verme, que rasteja,
um outro tem, que o ama, afaga e beija
e eu nada tenho por amar-te tanto...











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