sexta-feira, 6 de junho de 2025

Recordando Podina de Dilon Djidji

“Podina” é muito mais do que uma canção popular: é um fragmento da alma moçambicana. Composta e interpretada por Dilon Djidji, mestre incontestável da marrabenta tradicional, esta música evoca as marcas de um tempo, de uma gente e de uma maneira de sentir o mundo através do corpo e da palavra.

Dilson Djidji 

Uma melodia que dança com a memória

Musicalmente, Podina é um hino à simplicidade rítmica e à profundidade emocional. A guitarra, quase sempre presente nas obras de Djidji, tece uma linha melódica repetitiva, com sabor de quintal e calor de festa. A percussão, subtil mas constante, embala o ouvinte num transe ligeiro, como se chamasse os pés a moverem-se mesmo contra a vontade.

A voz de Djidji entra com suavidade e autoridade ancestral — não canta apenas, narra, revive e aconselha. Há algo de espiritual no modo como conduz a música: como se cada nota fosse também um grão de memória, um passo de regresso ao passado.


️A letra: entre o lamento e a sabedoria

Cantada em xichangana, a letra de Podina carrega a sabedoria popular dos bairros de Maputo e a sensibilidade de um homem que viu e sentiu o mundo com os pés descalços. O refrão, repetido com insistência quase ritual, transforma a música numa espécie de feitiço poético — impossível de esquecer depois de ouvido.

Embora muitos associem Podina a um simples tema amoroso, a sua força está na ambiguidade lírica: fala-se de perda, de partida, de ausência — mas com um sorriso nos lábios e ritmo nos quadris. É a tristeza dançada, o sofrimento celebrado com dignidade.


 Uma cápsula do tempo cultural

Mais do que entretenimento, Podina é um documento vivo. Representa uma época em que a marrabenta era o jornal do povo, a rádio da rua, a cartilha da vida. Num tempo em que a cultura se globaliza e se uniformiza, esta canção mantém-se firme como bastião da identidade moçambicana.

Ao ouvir Podina, somos transportados para os quintais de Marracuene, os salões de cimento batido, as noites de luar com música a sair de um rádio velho equilibrado na janela.


 Quem foi Dilon Djidji?

Dilon Djidji, nascido em 1939 em Marracuene, foi cantor, compositor e guitarrista moçambicano, reconhecido como um dos guardiões da marrabenta tradicional. Autodidacta, começou a compor ainda jovem, captando a vida quotidiana do povo com olhar crítico e poético.

Ao longo de décadas, firmou-se como referência artística e cultural, resistindo à modernização da música com fidelidade ao estilo tradicional, sempre em língua local. Ganhou o respeito de músicos e estudiosos, mesmo tendo permanecido à margem dos grandes palcos e holofotes comerciais.

Faleceu a 17 de Janeiro de 2023, aos 84 anos, deixando um legado sonoro e espiritual que continua a ecoar nos bairros, nos rádios comunitários e nos corações daqueles que o ouviram ao vivo, ou que agora, ao recordá-lo, sentem que o tempo da música verdadeira não tem fim.



Veja o vídeo clipe da música aqui



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