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quarta-feira, 27 de maio de 2020

A CRÓNICA DO TPC


Por:António Magaia
António Magaia
Andava na segunda classe do ensino primário na escola primária 3 de Fevereiro, era um aluno deveras traquino e brincalhão. No último  dia de aulas antes das férias de um mês, a professora Sinfronia entulhou-nos de TPC, tínhamos um longo TPC a cadeira de Português. Despedi-me dos meus colegas de turma: Ori da Cassia, Jorge, Paloma, Amaral Rosa, Florentina e o Mambache. Parti para casa todo alegre, era o começo das férias, dos momentos mais felizes para nós alunos. Voltei com aquele passo de menino, com aquele suor traquino de brincadeiras e correrrias que nos eram habituais. Parti e cheguei à casa.
- Mamã, mamã, já voltei, estou de férias!! Ela abriu a porta e sorriu, ordenando que fosse almoçar. As férias então começaram em grande, os jogos de banana e de polícia ladrão naquelas tardes, punham-nos as correrias. Eramos capazes de brincar, brincar e sem fome sentir, eramos vizinhos, amigos e todos fedelhos.  No rés do chão, daquele prédio da Avenida Armando Tivane onde viviamos, preenchiamos cada espaço vazio, eramos quase omnipresentes. Nossas primas chegaram com suas maletas para aprimorar a férias. Seguiamos a disciplina clara e forte dos nossos pais  dentro de casa, cresciamos com uma educação firme, a qual acredito que hoje está em escassez. Já me perguntava a mamã:
- Não tens TPC de férias?
- Tenho mãe, mas vou fazer amanhã. Ela sabia que havia pouca vontade em mim devido a euforia das férias, mas a mamã também sabia que erámos disciplinados, por isso não nos perseguia tanto. É verdade eu queria fazer esse TPC, mas quando o sol se punha, as brincadeiras também começavam e começava também uma sessão de adiamentos ao TPC, embora sabia que tinha ainda tempo para o fazer…
Os dias iam passando e as semanas também, nada era mais prazeiroso que brincar de carinhos com o Zeide e o Danito por entre os nossos muros, descer as correrias e contemplar o jardim do parque dos continuadores, regressar a casa para tomar banho conforme a disciplina, lanchar e aprender como se vai até a Rua Sesámo. Aliás assistir a rua Sesámo sabia  a mesma paixão que uma criança hoje tem por um telefone touch, era o melhor programa dos petizes simplesmente imperdível. Três semanas se passaram, a quarta semana chegou, e a brincadeira não parou. O TPC da professora Sinfronia, esse foi boicotado. As férias infelizmente acabaram, as primas se foram e as aulas começaram. No primeiro dia de aulas a professora Sinfronia exigiu o TPC e, quem não tivesse, teria de ir ao quadro, levar nada mais que seis reguadas de madeira bem dadas.
- Magaia fez o TPC? - perguntou a professora Sinfronia
- Sim fiz Sra Professora – disse eu temendo as conhecidas reguadas.
-Vocês que não fizeram, vão levar agora, estão a ver até o Magaia fez o TPC. – disse a Sra Professora.
Naquele momento, até quis recuar e dizer a verdade a professora, mas já não tinha volta, eu até fui modelo de exemplo na sala. De seguida ela anunciou: -Vamos corrigir o TPC. Agora adivinhem onde a Sra Professora escolheu sentar para corrigir o TPC? Exactamente, ela escolheu sentar-se ao meu lado. Entrei em pânico só de imaginar, se ela me pedisse para mostrar o TPC, olhei para esquerda e para direita, folhei o meu caderno como quem procura um TPC feito e não deseja amizade com reguadas. Tive um instinto positivo, que me revelou que devia manter a calma para que ela não desconfiasse. Por um momento a professora saiu para o quadro, instruindo uma colega, mas voltou em seguida, deixando me deveras aflito, com calafrios e com vontade de gritar mamanooo. Deus afinal já era meu amigo, e os seus anjos da guarda me protegeram de modo que a professora Sinfronia, não pediu pra ver o meu caderno.
É possível??? Eu escapei… Quando essa aula acabou e tocou, suspirei de alivio e fui o primeiro a sair da sala para recuperar a respiração. Depois desta lição, eu nunca mais fiquei sem fazer o TPC.

sábado, 23 de maio de 2020

Gonçalves Gonçalo:"Sinto-me esposo da poesia e espero nunca me divorciar"

Começou por escrever orações para Deus e por um bom período assim o fez. Até que um dia o seu professor de português o incentivou a escrever poemas, assim nascia o poeta Gonçalves Gonçalo, o autor do "Cateto Oposto". Se para Gonçalo a oração serviu de pretexto para entrar na literatura, hoje ele se define com um poeta inteiramente casado com a poesia, sem chance algum de divórcio. 
Gonçalves Gonçalo,  emprestou seu pensamento para a Massala Arte, numa entrevista onde fala-nos da sua vida e da sua carreira literária.
Gonçalves Gonçalo 

Massala Arte(MA) : Quem é Gonçalves Gonçalo?

Gonçalves Gonçalo (GG): É um Poeta, Escritor e Declamador, Formado em Ciência Política pela Universidade Eduardo Mondlane. Encontra na escrita não só uma forma de reconstruir um mundo melhor, mas de igualmente ofertar ao mundo um novo sonhar e a esperança de um mundo melhor.

MA: Como foi a sua infância?

GG: A minha infância foi marcadamente caracterizada pelo desejo exacerbado de ser mais crescido. Como toda e qualquer criança, via na juventude a solução todos os problemas que com a minha pequenez não conseguia resolver. Estranhamente, agora na fase da juventude, parafraseando Ivandro Sigaval digo: "Quando eu crescer quero ser criança". 

MA: Como entra literatura em particular na poesia

GG: Entro na literatura escrevendo minhas orações, no entanto influenciado por um professor de português, já na 10° classe, passei a partir de um trabalho a escrever poemas. Há que se destacar Antero de Almeida Nhatumbo e David Chirindza como professores que marcaram a emergência deste poeta.

MA: Com quantos anos escreveu o seu primeiro poema. E de quê falava?

GG: Como referenciei na pergunta anterior, meus primeiros poemas, eu os escrevia para Deus, em forma de orações. Revelam a forma como eu me sentia com Deus, na época em que passava por uma experiência vocacional na casa dos Arautos do Evangelho. 

MA: Quais os escritores moçambicanos mais admira (podes dizer alguns internacionais).

GG: Em ordem de preferência poderia citar: Luis de Camões; Mia Couto, Ungulane Baka Khossa e Paulina Chiziane; Eduardo White, Lucílio Manjate, Eusébio Sanjane; Obedes Lobadias, Meque Raul Samboco e Ivandro Sigaval.

MA: Se tivesse uma oportunidade para escrever uma obra literária com alguém. Que poeta ou  escritor escolheria?

GG: Luis de Camões ou Mia Couto.

MA: Qual foi o primeiro poema que escreveu e declamou
GG: Terras aráveis da minha aldeia" é o primeiro texto poético por mim escrito e declamado.

MA: Admiras algum Declamador/poeta moçambicano. Se sim. Quem?

GG: Admiro vários, mas dos  tantos, há que se destacar o Raimundo Manuel (Negro), quem eu chamo curiosamente por mestre.

MA: Se fosse para dar uma definição de poesia. Qual daria?

GG: Definir poesia, seria de certeza reduzir o seu significado. No entanto, ousaria dizer que poesia é vida. Ora, se Deus usou da palavra para criar o universo e o homem, por que não usar da poesia para recriar o universo e reconstituir os Homens?

MA: Qual é o teu maior sonho?

GG: Se for para sonhar, porquê não sonhar alto? Se é de graça? Eu sonho com um cenário em que cada vivente nesta terra, conheça a escrita e o vozear deste poeta.

MA: Qual é o poema que mais gosta de declamar e porquê?

GG: "Meu cateto oposto" é o poema que mais gosto de declamar, simplesmente porque foi o texto que me abriu as portas para o sucesso. Marca uma nova era de Gonçalves Gonçalo no mundo da poesia.

MA: Na sua opinião como é que a arte pode servir de terapia neste período de distanciamento social?

GG: A arte serve de terapia enquanto for a expressão mais profunda do que os homens sentem, ao mesmo tempo que o permitem distrair da pressão que o mundo lhe constrange com a dor de confinar e isolar aquele que por natureza é social.

MA: Como poeta e Declamador o que tem feito para sensibilizar aos teus admiradores sobre o perigo da Covid-19

GG: A arma de combate e o instrumento do trabalho de qualquer poeta, escritor é a escrita. É nesta perspectiva que em resposta ao perigo que esta pandemia nos oferta, tenho em coordenação com outros poetas, trabalhado em 2 antologias que mais do que sensibilizar as pessoas a adoptaram as medidas de prevenção em relação ao Covid 19, nos permitirá registrar tudo que está em sua volta.

MA: Entre escrever e declamar. O que mais gosta?

GG: Minha conversa é com o papel, minha língua é a caneta. Assim sendo, me é mais familiar a escrita. A declamação, é mera consequência do que penso e escrevo .

MA: Fale-nos da sua participação na Batalha de poesia moz Slam nas duas edições. 

GG: Tanto a primeira como a segunda educação do Moz slam, mas do que se revelarem oportunidade única para mostrar o meu trabalho, revelaram-se um grande desafio. Embora não tenha vencido, ser um dos 12 finalistas já era pra mim uma grande vitória. 

MA: Se não fosse poeta ou declamdor, que outra arte escolheria?

GG: Se não fosse poeta ou declamador, eu seria declamador ou poeta, não há reservas para outras artes. Entretanto, porque eu me estreio nos grandes palcos através do teatro, aceitaria me alugar para o teatro. 

MA: Quais são os teus projectos para o futuro?

GG: Para um futuro próximo, convém adiantar que estou a trabalhar em duas obras poéticas individuais, das quais uma poderá ser lançada este ano. Não obstante, tenciono igualmente lançar um CD de áudio poesia.

MA: Como você se define como poeta?

GG: Enquanto escritor, adoptei vários pseudônimos, cada um deles revelava a forma como eu me sentia no mundo da poesia. “Poeta Universátil” para revelar um poeta universal (que escreve tudo sobre o universo), ao mesmo tempo versátil. “Poeta Alcoóletrado” para expressar como as letras em mim se convertiam em álcool e embriagavam a mim e a quem me escutasse. E por fim “O esposo da Poesia” que quer revelar um estágio de entrega e intimidade única com a poesia. Enfim, como Poeta, sinto-me o esposo da poesia e espero nunca me divorciar da mesma.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

ENTRE O AMOR E A RELIGIÃO

António Magaia

PARTE 3

O dia do baile dos finalistas da Francisco Manyanga chegou, todos estudantes estavam aprumados, enfatados e vestidos para a ocasião. Amina e Saquina trajavam vestidos glamorosos, cor de rosa e azul respectivamente, Hugo, Júnior e boa parte dos homens da turma trajavam fatos pretos, com o laço ao pescoço. E iniciou o baile, os estudantes inscritos pra dança juntaram-se aos pares, lado a lado, e o outro grupo apenas assistia. A primeira dança foi Marrabenta, Hugo e Júnior descontraídos deslizaram os pés para o lado esquerdo e direito, assim como Amina e Saquina que também estavam presentes com seus pares. A seguir dançaram valsa, enquanto Hugo dançava com Stela seu par, ao girar seu corpo, seus olhos se cruzavam com os de Saquina, ela estava deslumbrante,  Hugo acendera a chama da paixão. Saquina também observou Hugo dançando e sentiu o aperto da paixão no peito, mesmo com o clima pesado em sua casa, ela adorava aquele negrinho. Por fim os estudantes terminaram. Os pais e os convidados ajudaram os estudantes a receberam as suas faixas como manda o figurino. O after party havia começado.
-Saquina onde estás? Venha me encontrar aqui no 1 andar  onde tem o buffet  disse Hugo. 
- Esta bem estou a caminho. Saquina combinou com Amina para que ela ficasse a sua espera nos rés do chão do salão da Josina e a avisasse assim que Hassan chegasse para lhes buscar, pois ela estaria com Hugo e depois desceria. 
- Ola Saquina vem cá, ainda queres continuar comigo ou não?
- Claro que quero Hugo, mas isso vai dar problemas com minha família, não sei o que fazer. Hugo abraçou Saquina bem apertado, tacteou-lhe o rosto, puxou a para uma dança ao meio do salão. Hugo segurou cintura de  Saquina e voltou a roubar-lhe um beijo que arrepiou-lhe a espinha no meio da noite. Ficaram juntos no baile, Hugo comprou chamussas e riçóis e um drink para eles dois. E ficaram dançando  juntos no baile. Hassan vinha com Larissa e Samira no seu Toyota Camry e Jamil vinha do seu Kia Shuma buscar Saquina e Amina. Hassan ligou para Saquina, mas o som da musica estava tão alto no baile que ela não ouviu, por isso Samira e Larissa decidiram entrar no baile, logo no rés do chão encontraram Amina conversando com suas colegas.
- Ola Amina estão se divertindo? cade Saquina? questionou Samira.
- Sim estamos, Saquina estava com outras colegas por aqui, acho que foi comprar uma salada. Amina tentou ligar, para avisar que Hassan já tinha chegado e estava com Jamil, mas o cell de Saquina não respondia. Lá no meio do salão, se via Saquina abraçada e dançando agarradinha a Hugo, Samira reconheceu-lhe e aproximou-se com Larissa e Amina. 
- Saquina, quem é ele? É o tal de Hugo?
- Não ele é outro colega- disse Saquina
- Não Saquina, eu não vou me esconder mais, eu sou o Hugo sim, e somos namorados, eu gosto muito dela. disse Hugo.
- Saquina vamos embora, está na hora  disse Samira. Saquina foi com sua família deixando Hugo sozinho e sem espaço pra falar. 
- Saquina ainda não deixaste esse pobre? O que você quer afinal no futuro? Jamil veio te buscar, vamos falar em casa. Amina segurou mão de Saquina e juntas foram no carro de Jamil pra casa.   Então como foi o vosso baile Amina, Saquina? Vejo que estão lindas. 
- Foi nice, deu para nos divertirmos, agora é so pensar na faculdade.  responderam as primas. Eram cerca de 23h, quando deixaram Amina e depois Saquina em casa, Samira contou dona Soraia o que vira no baile, nesse dia Sr Salimo estava em casa, e acompanhou a conversa, após isto, ele e dona Soraia foram falar com Saquina.
- Minha filha afinal tás de caso com esse tal de Hugo? Saiba que na nossa família nunca houveram estranhos- disse Sr Salimo. - Já tínhamos falado sobre os negros, em que tu estas a pensar minha filha, eles nem são muçulmanos como nós - disse dona Soraia
- Mãe, desculpa, eu não sei, mas gosto dele.  respondeu Saquina  
- Gostas? Pensas mesmo no teu futuro? A partir de Hoje não quero mais ouvir falar desse  Hugo aqui percebes? Se fores vista com ele mais uma vez, eu te expulso de casa Saquina ouviste? Eu te expulso, Bolas. afirmou Sr Salimo bem fulo. O celular de Saquina foi confiscado pelos seus pais e o controle sobre ela foi redobrado. Hugo porém tinha o número de Amina, e pediu para falar com Saquina no dia em que fossem consultar os resultados na Manyanga, Amina mandou mensagem a dizer que estava na escola.
-Ola Amina tudo em cima? Onde está Saquina? 
- Saquina não veio, meus tios proibiram Hugo, é melhor parares de ir atrás dela, Saquina já não tem celular e vai ter outro namorado muçulmano agora, lamento.
- O que? Mas que namorado Amina? Eu sei que ela gosta de mim
- Mas nossa família não concorda com vosso namoro, eu não tenho nada contra ti, tu sabes mas meu tio já sabe, é melhor desistires.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

O negócio da santíssima Trindade

Por: Xisto Fernando 
Homem da Cave: foto de Xisto Fernando 
Aqui vende-se "Deus" em todos os tamanhos e formas, dependerá do teu bolso quis dizer do (teu dízimo). Vendemos também os milagres do filho de "Deus", Jesus Cristo, a um preço promocional. Temos no nosso menu, milagres para fabricar dinheiro e te dar riqueza por toda vida, temos  milagres para alargar teu pênis, para melhorar o seu desempenho sexual entre quarto paredes  nos amortecedores da amada. Vendemos milagres, para emagrecer e engordar e para casar um marido rico. Dispomos de milagres para que tenha um bom emprego, bom salário sem ter indo a escola e sem pisar nenhuma empresa. Temos milagres que tiram todos os espíritos, bons e maus e se o cliente quiser (crente), compramos recentemente um microfone numa tabacaria chinesa para dialogar com esses espíritos de modo a sabermos as reais motivações de terem se apoderado do tal corpo e quiçá os convidarmos para tomar uma coca-cola no fim do culto. Atenção a todos, acabamos de importar das terras angolanas, lá onde os ministros e deputados se matam quando são exonerados, uma máquina de orações para ressuscitar os mortos, aquele que tiver um defunto na família, pode trazer, nós podemos ressuscita-lo. Dependendo da preferência do cliente nos deslocamos a morgue ou ao cemitério, quanto ao pagamento, aceitamos prestações até 24 meses, caso o cliente  não tenha nem um tostão no bolso, pode colocar a  viatura e casa como garantia, tudo vale para quem quer o seu ente-querido de volta. Vendemos ainda o espírito Santo, ele funciona a remote controle, cujo o preço o caro crente pode ver na vitrine da nossa igreja. Para mais informações dos nossos serviços nos contacte pelas redes sociais,temos a nossa sede no Instagram e nossas filiais no Twitter, Facebook e Whatssap. Já avisamos aqui não reza pobre.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

ENTRE O AMOR E A RELIGIÃO

Por: António Magaia 
António Magaia

PARTE 2

- Tia Zulmira! Ele é meu colega Tia Zulmira era também a mãe de Amina. 
- Tu ai, tira as mãos da minha sobrinha. disse Tia Zulmira nervosa
- Sim boa tarde tia, nós somos colegas e
- Ainda não te perguntei nada, estou a falar com minha sobrinha.
- Tia viemos pra comprar pipocas, tínhamos borla e já íamos voltar.  Afirmou Saquina.
- Ok onde está Amina? E este moço como se chama??
- Amina, está vir só que demorou na sala, e 
- Meu nome é Hugo tia, prazer  disse Hugo audaz. Tia Zulmira puxou Saquina pelo braço para perto de si e disse: 
- Saquina já andas abraçada com esse tipo de gente? Até mais logo, vamos conversar, volta para escola agora. E assim regressaram a escola, Saquina estava preocupadíssima, tia Zulmira vivia perto do seu prédio e tinha muita afinidade com a sua mãe. Hassan foi buscar Saquina e Amina, e no caminho, Saquina ouviu Hassan falando com dona Soraia.
- Esta bem mãe , já estamos a chegar, estou com Saquina aqui! Saquina chegou, foi tomar um banho e quando saiu, toda família estava na sala a sua espera, sua mãe, tia Zulmira, Khalil, Samira, Hassan e Larissa namorada de Hassan, menos Sr Salimo que ainda não tinha regressado.
- Filha tia Zulmira diz que te viu abraçada com um colega na paragem, é verdade?
- Sim mãe, mas não foi nada de mais, apenas fomos comprar pipocas
- Mas filha, diga uma coisa estão a namorar ou não, uma rapariga muçulmana na tua idade não abraça um homem do jeito que tia Zulmira disse em vão?
- Não mãe, não namoramos, é apenas meu colega e amigo
- Saquina sabes bem que não vale a pena namorar com negros, são pobres e não poderão te sustentar, além de serem mal comportados, e infiéis. Afirmou dona Soraia.
- Também eles não aceitam a nossa religião, como seria essa relação?  Acrescentou tia Zulmira.
- Esses teus amigos Saquina, é esse Hugo que te liga aos sábados? questionou Samira.
- Não Samira, não é.
- Saquina já estamos a pensar no teu futuro com o primo Jamil, um dia vais conhece- lo, ele está gerir 2 lojas do pai e esta para abrir um restaurante dele, é bonito e comportado, vai a mesquita todas 6feiras, a partir de agora evita andar com esse aí  Saquina  disse dona Soraia
- Mãe chega, chega. Eu disse que ele é só meu colega. Saquina retirou-se abruptamente da sala e foi trancar-se no quarto, chorando lágrimas invisíveis no coração. Na escola Saquina procurou evitar Hugo, cumprimentando o de longe, fingindo estar atarefada, escondendo-se aos intervalos. Hugo notou esse distanciamento e logo ao sábado, escreveu uma mensagem a Saquina: Saquina, notei que me evitas desde aquele dia que encontramos a tua tia, não precisas fugir de mim, se sentes que já não dá, não faz mal seremos apenas amigos, apesar de eu ainda gostar de ti. 
Saquina, recebeu a mensagem e ficou toda noite pensando. No dia seguinte, Saquina acordou com uma surpresa.  Saquina hoje as 14h vais conhecer o primo Jamil, vais com Hassan, Samira e Khalil, melhor te preparares e estares perfumada. Saquina, foi na boleia do Audi A4 de seu cunhado Khalil com Samira e Hassan ir conhecer o primo Jamil no Mundos. Chegaram ao Mundos, Hassan apresentou-lhe Jamil, e a seguir retiraram-se deixando os a sós.
- As 18h viremos buscar-te Saquina. Jamil era alto, tinha a barba longa e um corpo robusto, já tinha visto Saquina num baile do colégio Quitabo, com Amina.
- Saquina escolhe o que vais comer e tomar, fica a vontade,  - afirmou Jamil. E conversaram calmamente. Saquina achou Jamil simpático, cordial, porém meio sério, ficou também por instantes  imaginando o magrelo do Hugo, contando suas  piadas infinitas com aquele sorriso único. Saquina estava meio confusa mas sabia que teria que escolher um dia.
- Então Saquina  a conversa foi boa?  perguntou dona Soraia.
- Sim mãe foi, ele é simpático e gentil.  respondeu
Hugo estava decidido a por um ponto final na estória, as aulas da 12ºclasse já estavam no fim,  e na companhia de Júnior, Hugo pôs-se no 2-andar do corredor  no intervalo, e pediu alguém que chamasse Saquina na sala. Saquina saiu da sala e foi ter com Hugo.
- Saquina desististe de mim? Nosso namoro acabou?
- Não é isso Hugo, está complicado na minha casa, minha família está a pressionar-me.
-Ok, diz-me só uma coisa, estarás no baile de finalistas?
- Sim estarei.- afirmou Saquina
- Então nos vemos lá, vou ligar-te no meio do baile para conversarmos.  Disse Hugo.
CONTINUA..

DICA DO AUTOR 
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sábado, 9 de maio de 2020

Pedro Celso: " A música para mim é a união dos povos"

Natural da província de Gaza, o músico moçambicano Pedro Celso está em Maputo desde 2003. Até então já tem um álbum no mercado denominado "NAMUKA A KAYA" (volto à casa), já gravou músicas com artistas nacionais como Melancia de Moz e DJ Angel. O seu estilo musical divaga entre vários estilos e das suas músicas mais conhecidas, destacam-se "CADÊ VOCÊ" e a  A MALE YI VUYISA A AKU TSAKA (dinheiro traz felicidade).

Pedro Celso
Massala Arte (MA): Quem é Pedro Celso?
Pedro Celso (PC): Pedro Celso é um jovem moçambicano, estudante do quarto ano, na Universidade Joaquim Chissano, no curso de Relações Internacionais e Diplomacia. Músico e compositor, especialista em STAND UP COMEDY, autor do único Álbum ja a venda" NAMUKA A KAYA". Autor do artigo  "The plight of domestic Workers in Mozambique", ( A situação dos trabalhadores domésticos em Moçambique),  publicado no Jornal Internacional da Índia.

MA: Quando entra na música?
PC: Pedro Celso entra na música desde miúdo com a influência do seu primo Carlitos Xai Xai, vocalista da então Banda Rasta Revolution , na África do Sul. E começou a apostar na música profissionalmente a partir de finais de 2015, tendo gravado a música "Ungani Khomi"  (não me toca) com o DJ Angel  do grupo Afro Madjaha. Uma música que ainda faz sentir nas Discotecas de Moçambique. Essa é ainda a única música com o Vídeo clipe.

MA: Antes de começares a cantar Blues, quais são os outros estilos musicais que já cantou ao longo da sua carreira?
PC: Pedro Celso desde sempre fez música ao vivo na Banda do Carlitos, cantando Afro e Reggae e um pouco de Ragger. Em 2015 grava Afro house. Fiz uma marabenta com a Melancia de Moz.

MA: Quais são os músicos moçambicanos que admira?
PC: Pedro Celso admira a todos os fazedores da música moçambicana e de todos os estilos musicais ( aqueles que fazem bem), em especial o WAZIMBO, Jimmy Dludlu, José Mane l(J Malu), Mingas, Xavier Machiana..

MA: Onde busca inspiração para compor suas músicas?
PC: As inspirações do Pedro Celso resultam duma pesquisa profunda do  quotidiano dos moçambicanos.

MA:Se fosse para definir "música" que definição daria?
PC: Música é a combinação de sons para criar uma harmonia agradável. Musica é remédio da alma. A música para mim é união dos povos.

MA: As suas músicas a maioria são cantados em changana, porque da escolha dessa língua?
PC: Pedro Celso é autor de um projecto de resgate de valores sócio-culturais. Um dos objectivos é a valorização das línguas nacionais. É por isso que tenho exibido vocabulários e expressões menos acessíveis no próprio Changana.

MA: Quais são as músicas que não podem faltar no reportório quando faz um concerto?
PC: Os concertos do Pedro Celso tem seguido de forma restrita um reportório  de músicas do seu álbum e menos imitações. São indispensáveis músicas como A MALE YI VUYISA A AKU TSAKA, CADE VOCÊ, NAMUKA A KAYA, VITANI XIKWEMBU

MA: Visto que agora os eventos, espectáculos estão parados devido a pandemia, quais são alternativas que tem adoptado para mostrar o seu trabalho?
PC: Devido a situação de crise mundial da saúde, provocada pela Covid-19, Pedro Celso tem apostado em participar em programas televisivos e radiofónicos, para garantir a continuidade da promoção do álbum e a sua imagem. Enquanto isso não passa vai gravando o segundo álbum.

MA: Quando foi lançado o teu álbum e quantas faixas tem e onde pode ser comprado?
PC: O álbum do Pedro Celso é composto por 12 músicas. Ainda nao foi feito o seu lançamento oficial. Mas ele está sendo vendido desde Janeiro de 2019 no Backline, Bomba petromoc no bairro T3, Just's Bar CMC, Hotel Mar da Zinha em Chibuto (Gaza)

MA:  Acha que a música pode servir de terapia neste momento de crise em que as pessoas estão em casa?
PC: A música é sim uma terapia, pois é através dela também que se passa facilmente a informação sobre a consciencialização do povo no combate à essa pandemia. É importante salientar que em momentos como esses, em que a maioria das pessoas estão em casa, escutam músicas dos seus artistas favoritos.  E o disco do Pedro Celso está sendo consumido por todas as classes. As vendas são satisfatórias.

MA: Se tivesse a oportunidade de ser Ministro da Cultura, qual é a medida principal que podia tomar para ajudar os músicos moçambicanos?
PC: Se Pedro Celso fosse Ministro da Cultura, primeiro iria criar leis que visam valorizar os artistas. Garantir que os artistas sintam o orgulho de seren moçambicanos.  Criar condições para que haja um subsídio do Governo para servir aos artistas, começando pelo existência de editoras. Criar parceria com  ONGs para apoiar os artistas. Haver uma representatividade acentuada dos artistas nas instituições do Estado para lutar pelos interesses dos artistas de todas as áreas.

MA: Qual é o teu maior sonho?
PC: O sonho do Pedro Celso é de ser um artista reconhecido em Moçambique e além fronteiras. Criar uma imagem exclusiva com uma banda que toca música não só para entreter, mas para educar e criar reflexões no mundo. Ver os artistas mais unidos porque no coração de cada pessoa tem espaço para todos os músicos. Ver os artistas e a juventude em geral longe das drogas.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

ENTRE O AMOR E A RELIGIÃO

Por: António Magaia 
António Magaia
PARTE 1

Desde o ensino secundário que Hugo apreciava Saquina, Saquina era uma rapariga muçulmana linda, magricela, com corpo de modelo, com os cabelos lisos e com lábios que pintavam um sorriso cor de rosa de arrepiar. Tal como Hugo, Saquina era aluna da escola secundária  Francisco Manyanga e estava na mesma classe e turma que sua prima Amina.  Hugo,  sempre fora um jovem matreiro com as mulheres, um janota atrevido, sobretudo devido a sua plateia de amigos, a quem não hesitava em agradar. Júnior era melhor amigo de Hugo, e juntos desafiavam qualquer obstáculo quando o assunto fosse mulheres. Aliás Júnior e Hugo estavam juntos, vagueando pelo corredor do 2ºandar da Francisco Manyanga, quando Hugo viu feitiço de Saquina pela primeira vez, Hugo contemplou aquele olhar hipnotizante, a poesia da sensualidade de seu corpo, aqueles lábios cor de rosa, que dançavam naquele sorriso espontâneo de Saquina.
 Hugo perdeu o chão, seu coração bateu intensamente, mas como um bom aventureiro e tendo Júnior como plateia ele foi fechar o negócio da paixão.
- Olá para vocês.  disse Hugo fitando os olhos em Saquina.
- Alô. - respondeu Amina que se encontrava ao lado de Saquina.
- Permita-me dizer, que ela tem um sorriso bonito, e gostei de lhe ver, mas olha que o teu também é, vocês são estudantes da 11ºclasse também?  indagou Hugo. 
E assim Hugo conheceu Saquina e Amina, e tornaram-se amigos. Saquina era bem controlada em casa, tinha de voltar nas horas certas e fim de semana só podia sair com sua família de casa. Saquina e Hugo passaram a conversar mais vezes nos intervalos das aulas, e Hugo até apresentou-lhes a Júnior. Certo dia Hugo convidou Saquina para um passeio rápido em sua zona no último tempo de aulas, em que turma de Saquina tinha borla, pois o pai de Saquina Sr Salimo e o irmão Hassan eram bem pontuais quando iam busca-la. Saquina que estava encantada com os versos de Hugo, não resistiu ao convite e aventurou-se. Hugo esticou seu peito, andou de mãos dadas com Saquina pela cidade,  e após uma boa conversa, entrou numa lanchonete e pediu 2 sorvetes, um para si e outro pra Saquina.
- Saquina quero dizer te uma coisa, que já devia ter te dito a mais tempo.
- Ayee, e o que é, estou curiosa, podes falar.
- Eu quero muito namorar contigo, é serio, eu gosto de você de verdade. Saquina permaneceu quieta, sorriu e disse: - Ayee, hum.. ok, acho que podemos continuar esse papo amanhã,  já está quase na hora, preciso encontrar Amina para voltarmos juntas. Hugo porém percebeu o sim no sorriso de Saquina e após terminarem os sorvetes afirmou:
- Olha baby, eu já estou na minha zona, mas antes de ires vem cá. Hugo puxou-a pelo braço e roubou-lhe um beijo cinematográfico na porta da lanchonete, que deixou Saquina tonta de emoção, e após um abraço demorado despediram-se. Amina era simplesmente a prima mais amiga e cúmplice de Saquina, a única a quem ela contou tudo sobre Hugo. Samira irmã mais velha de Saquina, notou que Saquina aos fins de semana de noite, recebia frequentemente chamadas telefónicas, algumas eram de Amina e suas amigas mas outras tinham um tom romântico. 
- Saquina, já começaste a namorar? Quem é que te liga sempre a sábados?  questionou Samira.
- Minhas amigas, e um amigo da escola, que tem um papo Nice, mas é só conversa apenas.
- Humm Saquina, eu também namoro, como é que ele é? Como se chama? - Perguntou Samira.  Saquina sabia que sendo muçulmana seria conflituoso contar a sua irmã que estava apaixonada por um negrinho devido a religião, e devido ao padrão do perfil exigido por sua família, por isso mentiu, disse que ele se chamava Igor e ocultou que era de raça negra. Das conversas que dona Soraia, mãe de Saquina e sua tia Zulmira várias vezes tiveram com ela e Samira, estava claro que Saquina devia casar-se com um muçulmano, que tivesse posses, e de preferência com o mesmo tom de pele dela, a semelhança de Samira que namorava com Khalil, um muçulmano de posses. Na escola, quase toda turma já sabia que Hugo estava namorando com Saquina, seus colegas o elogiavam e  mandavam indirectas. No intervalo maior Hugo e Saquina encontraram-se para prosear  no corredor do 2ºandar : - Saquina o que a tua família vai achar de nós?
- Minha família é muito tradicional, e sobre nós nem vale a pena falar, só contei a Amina, minha irmã já desconfia, por agora, melhor não contar pra ninguém. Hugo concordou, mas mostrou se sem receio de conhecer a família de Saquina assim que fosse necessário. Os dias se sucederam na escola, as aulas corriam e a cumplicidade de Saquina e Hugo só cresciam, os seus desejos se encaixavam como duas metades de uma maçã, e transbordavam alegria quando estivessem juntos. Até que um dia, Saquina estava na paragem, abraçada e colada a Hugo na habitual hora do último tempo, e coincidentemente tia Zulmira passava por ali naquele instante.
- Saquina, o que estas aqui a fazer abraçada com esse negro?


Dica do autor - A leitura é também uma sugestão de vocabulário, não seja orgulhoso e consulte os termos desconhecidos.

   

terça-feira, 5 de maio de 2020

Mural "Ode a Samora Machel": uma obra de Naguib que não pode ser esquecida

Por: Xisto Fernando 

Na cidade de Maputo, à beira-mar, encontra-se a avenida Marginal que, de "marginal" , tem apenas o nome, pois além da paisagem trazida pela praia da Costa do sol e dos coqueiros sem cocos que fazem sombra aos andantes dos passeios esburacados, aliás naquela avenida apenas os passeios são marginais.
 Neste pedaço de alcatrão, bem em frente ao Clube Naval, mora um mural por alguns esquecido e por outros eternizado. Trata-se da obra "Ode a Samora Machel", feito pelo artista moçambicano "Naguib", ou Naguib Elias Abdula, em homenagem ao primeiro presidente da República Popular de Moçambique, Samora Moisés Machel.
Uma parte do mural
O mural feito de azulejos têm uma extensão de 700 metros e foi inaugurado no dia 10 de Novembro de 2007, pelo presidente do Município, Eneas Comiche,  por ocasião dos 120 anos da cidade das acácias, Maputo.
Pode se considerar que "Ode a Samora Machel" é o maior presente que a cidade de Maputo recebera, (maior no sentido histórico e artístico).
No sentido histórico, porque este mural conta a história de um homem que lutou pela libertação do povo moçambicano e proclamou a independência a 25 de Junho de 1975. Ao longo do mural pode se ver a história de Moçambique ali contada, de forma única e trazendo à tona aspectos culturais que fazem parte de Moçambique. Aquele mural não conta a história de um homem, mas de um povo inspirado por um homem que se chama Machel.
Ao longo da avenida Marginal 
No sentido artístico, conhecemos profundamente o grande artista Naguib, a sua extrema capacidade de criar objectos de arte. 

Esse artista moçambicano que nos presenteou com "Ode a Samora Machel", é sem dúvida, um homem desta parte do índico. Ele nasceu em Tete em 1955. Fez os seus estudos no Colégio de São José de Tete e posteriormente  o curso de Construção Civil em Maputo.
Continuou a estudar na Escola Superior Belas Artes em Lisboa, tendo feito estágios em Serigrafia Artística na Universidade da Cidade de Cabo e Conservação e Restauro de obras de arte no Kunst Museum de Colónia na Alemanha. Igualmete efectou um estágio no Departamento de Artes Visuais e Cénicas da Universidade de Northumbria, na Inglaterra.
Naguib é membro fundador da FDC ( Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade), da ASEM, do Movimento dos Artistas contra a Pobreza, PNUD, um Artista um Gesto (Humanização dos Hospitais). É ainda fundador e proprietário do Espaço Artístico - Espaço Literário.
Em 2006 foi professor convidado pela Universidade de São Paulo, Brasil. Além do “Ode a Samora Machel”, trabalhou outros murais como, “Os percursos de Água”, no reservatório de água da Maxaquene, na cidade de Maputo.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Seis poemas de Eduardo White

Autor de vários livros de poesia como: Amar sobre o Índico (1984), Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave (Caminho, 1992), Janela para Oriente (Caminho, 1999) ou O Manual das Mãos (Campo das Letras, 2004).

Em 2001, Eduardo White foi considerado a figura literária do ano em Moçambique, e três anos depois recebeu o Prémio José Craveirinha, atribuído pela AEMO ao seu livro O Manual das Mãos. Em 1992, já recebera o Prémio Nacional de Poesia por Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave. Em 2013 venceu o Prémio Literário Glória de Sant’Anna.

Eduardo Costley-White nasceu a 21 de Novembro de 1963 em Quelimane, de mãe portuguesa e pai inglês. É um dos poetas ligados à fundação da revista bimestral Charrua, da Associação de Escritores Moçambicanos (AEMO), que em meados dos anos 80 contribuiu para renovar a literatura do país.

Além de poesia, publicou também novelas, como As Falas do Escorpião (2002), e outros textos em prosa. Entre os seus livros mais recentes incluem-se O Homem a Sombra e a Flor e Algumas Cartas do Interior (2004), Até Amanhã Coração (2007), Dos Limões Amarelos do Falo às Laranjas Vermelhas da Vulva (2009), Nudos (2011), uma antologia da sua obra poética, O Libreto da Miséria (2012), A Mecânica Lunar e A Escrita Desassossegada (2012) e O Poeta Diarista e os Ascetas Desiluminados, o seu último livro.

No concerto de comemoração dos 35 anos de carreira de Rui Veloso, realizado a 6 de novembro de 2015, o músico estreou uma canção chamada "Do Meu País" com letra do poeta moçambicano Eduardo Costly-White.
Eduardo White veio a falecer em Agosto de 2014, com apenas 50 anos de idade.

Eduardo White
I
PAÍS DE MIM

O peso da vida!
Gostava de senti-lo à tua maneira
e ouvi-la crescer dentro de mim,
em carne viva,

não queria somente
rasgar-te a ferida,
não queria apenas esta vocação paciente
do lavrador,
mas, também, a da terra
e que é a tua


Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,

repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido

Deixa nele crescer o sol
até tarde,
deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,

só nunca deixes que sobre
para não ser memória.


II
POEMAS DA CIÊNCIA DE VOAR

Uma mão relampeja na casa da escrita.
Faísca Troveja.
Procura um claro instante para a aparição.

Pode-se vê-la correr pelo dorso do papel,
deitada do seu lado ou do seu modo rastejante,
pode-se vê-la provando o ruminante delírio das palavras,
a sua rasante arrumação,
e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem,
rítmica, latejante
ou um nervo animal que faz lembrar
a textura pedestre do papel.
Mas a mão voa, explosiva,
e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica.

Voar é um fervoroso recolhimento.
E no que é quase a medida elementar do esquecimento
a escrita navega
num estuário de silêncio.
Escrever é uma droga antiga,
uma bebedeira que queima com lentidão
a cabeça,
traz as luzes desde as vísceras,
o sangue a ferver nas vias tubulantes,
traz a natureza estimulante das paisagens
que temos dentro."

...

Ocorre-me agora
a pupila minúscula de uma criança.
A sua engenharia
desde o corpo na guerreira pequenez
ao dedo provador da boca.
Ocorre-me esta criança
este monge da franqueza em seu templo de inocência.
Amo-a. Vivo-a.

Voar é poder amar uma criança.
Sonhar-lhe o peso no colo, as mãos acariciantes
sobre a palma da alma.

Voar é tardar a boca
na rosa do rosto de uma criança.
Pronunciar-lhe a ternura,
a seda fresca e pura
da sua infância.

Voar é adormecer o homem
na mão sonhadora
de uma criança.


III
POEMA DA PERGUNTAÇÃO

Não somos todos, os envergonhados, os verdadeiros culpados?

Não somos nós, os indignados, os verdadeiros carrascos?

O que antes e agora julgamos, não foi apenas uma pequena evidência? O que nós prendemos não foi a mão obscura de uma consciência? E mesmo o que matamos, não foi tão somente uma ínfima parte da verdade?

E procuramos grades? E procuramos muros altos e seguros? E procuramos homens obtusos para que os possamos vigiar? E procuramos armas para os tornarmos intransponíveis? De nada nos valerá, de nada nos adiantará. Não há ferro, nem betão, nem servilismo nenhum que nos possam salvar da luz da verdade.

Uma mentira não tem sempre sede de liberdade? Uma mentira não é a cela da verdade? E quantas vezes a pretendemos prender? E com quantas grades a desejamos ocultar? E com quantas mãos a ameaçamos estrangular?

Não vale a pena. Desistamos. Em nenhum maciço de betão podemos esconder o que a nossa consciência sabe. Em nenhuma anedota, em nenhum boato, em nenhuma suposição, em nenhuma imparcialidade e em nenhum juiz e em nenhum desmentido nos jornais e em nenhum país. Nem de nós, nem dos outros.

Somos todos nós os verdadeiros culpados, são nossos os muros e as grandes onde escondemos a verdade. E deles ninguém se evadiu, somos todos nós os verdadeiros evadidos.


IV
A PALAVRA

A palavra renova-se no poema.
Ganha cor,
ganha corpo,
ganha mensagem.

A palavra no poema não é estática,
pois, inteira e nua se assume
no perfeito,
no perpétuo movimento
da incógnita que a adoça.

A palavra madura é espectáculo.
Canta.
Vive.
E respira. Para tudo isso
basta
uma mão inteligente que a trabalhe,
lhe dê a dimensão do necessário
e do sentido
e lhe amaine sobre o dorso
o animal que nela dorme destemido.

A palavra é ave
migratória,
é cabo de enxada,
é fuzil, é torno de operário,
a palavra é ferida que sangra,
é navalha que mata,
é sonho que se dissipa,
visão de vidente.

A palavra é assim tantas vezes
dia claro
sinal de paisagem
e por isso é que à palavra se dá,
inteiramente,
um bom poeta
com os seus sonhos,
com os seus fantasmas,
com os seus medos
e as suas coragens,
porque é na palavra que muitas vezes está,
perdido ou escondido,
o outro homem que no poeta reside.


V
HÁ VEZES EM QUE NEM É A MORTE QUE SE TEME

Há vezes em que nem é a morte que se teme,
o seu sossego de cinza,
a sua solidão escura,
mas como se morre.

Quando morrer
quero fazê-lo sem rumor algum,
sem ninguém que me chore
ou a quem doa.

E queria a morte uma ave,
nocturna ave
sigilosamente partindo
para outro tempo.

Para morrer, fá-lo-ia
em total silêncio,
severo
e lúcido.


VI
O QUE VOCÊS NÃO SABEM E NEM IMAGINAM

Vocês não sabem

Mas todas as manhãs me preparo

Para ser, de novo, aquele homem.

Arrumo as aflições, as carências,

As poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir,

O vinagre para as mágoas

E o cansaço que usarei

Mais para o fim da tarde.


À hora do costume,

Estou no meu respeitoso emprego:

O de Secretário de Informação e de Relações Públicas.

Aturo pacientemente os colegas,

Felizes em seus ostentosos cargos,

Em suas mesas repletas de ofícios,

Os ares importantes dos chefes

Meticulosamente empacotados em seus fatos,

A lenta e indiferente preguiça do tempo.


Todas as manhãs tudo se repete.

O poeta Eduardo White se despede de mim

À porta de casa,

Agradece-me o esforço que é mantê-lo

Alimentado, vestido e bebido

(ele sem mover palha)

Me lembra o pão que devo trazer,

Os rebuçados para prender o Sandro,

O sorriso luzidio e feliz para a Olga,

E alguma disposição da que me reste

Para os amigos que, mais logo,

Possam eventualmente aparecer.


Depois, ao fim da tarde,

Já com as obrigações cumpridas,

Rumo a casa.

À porta me esperam

A mulher, o filho e o poeta.

A todos cumprimentos de igual modo.

Um largo sorriso no rosto,

Um expresso cansaço nos olhos,

Para que de mim se apiedem

E se esmerem no respeito,

E aquele costumeiro morro de fome.


Então à mesa, religiosamente comemos os quatro

O jantar de três

(que o poeta inconsta

Na ficha do agregado).


Fingidamente satisfeito ensaio

Um largo bocejo

E do homem me dispo.

Chamo pela Olga para que o pendure,

Junto ao resto da roupa,

Com aquele jeito que só ela tem

De o encabidar sem o amarrotar.


O poeta, visto-o depois

E é com ele que amo

Escrevo versos

E faço filhos


domingo, 3 de maio de 2020

João Timane conta a história de Moçambique e do mundo em mural na Malhangalene

Por: Xisto Fernando

Na sua infância, João Timane desejava ser um jogador de futebol. No entanto a vida mostrou-lhe outros caminhos, de jogador para artista plástico. Nascido em 1991, muitas vezes fora rejeitado no mundo da arte por causa da sua pouca idade, mas hoje Timane é aplaudido nas galerias dentro e fora do país e nos últimos tempos dedicou-se de corpo a alma a pintar o mural da Malhangalene que artisticamente conta a história de Moçambique e do mundo.


O mural da Malhangalene, localizado no bairro do mesmo nome, na Cidade de Maputo é uma verdadeira obra artística do pintor moçambicano João Timane. Nela revela-se a o talento de um artista que ainda jovem mostra a sua versatilidade, o poder de criar e recriar a realidade que rodeia, não só de Moçambique, mas de toda a humanidade.
O mural representa vários estados de espíritos, desde os mais sagazes aos mais calmos, há pássaros voando sob um céu negro. Timane viaja pelo período colonial e pós colonial retratando a astúcia de Samora Machel, o mentor da independência moçambicana e, Eduardo Chivambo Mondlane o arquitecto da unidade nacional.
Malhangalene tem em sua parede à liberdade que muitos bairros querem, João Timane doou seu dom para colorir os dias daquela ruela bem próxima a avenida Milagre Mabote. Quem por ali passa pode ver Ghandi, José Craveirinha e Malangatana rindo e confraternizado no mesmo espaço.   
No mural, o jovem artista canta a vida, convida o público a ver as imagens artísticas como uma dádiva, mostra que existe arte além das galerias. Na parede de João Timane não há diferenças sociais, desde os ricos aos pobres, as crianças aos idosos, todos têm o direito, pelo menos por alguns momentos de conhecer e viajar no mundo das artes plásticas.
Em Malhangalene, João Timane quebra o "dito elitismo" que alguns cépticos davam a esse tipo de arte, naquele mural, bem próximo ao Supermercado Shoprite, todo mundo que passa pode ser apreciador e por alguns segundos ariscar ser um crítico de arte.Se existisse, uma lei de direito a arte, Timane seria um dos primeiros artistas a cumpri-la, porque na sua obra reside uma expressividade que qualquer cidadão pode compreender, desde o mais culto ao mais pacato.

O mural da Malhangalene é um mapa do mundo, pois nele vem gravado realidades de todo mundo, líderes políticos que se destacaram nos seus respectivos países, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América, Barack Obama, está retrando, ali dorme e ao amanhecer acorda ao som dos carros.
As timbilas de Zavala, relíquias da Humanidade segundo a Unicef, Timane pintou-os com a devida mestria, lembrando-nos os dedilhos de Venâncio Mbande e as danças de Casimiro Nyusi. A música vem também em forma de jazz, um homem de retalhos desconhecidos tocando um sexafone, lembra-nos Muzila e Moreira Chonguiça. A natureza também é cantada numa marrabenta silenciosa, as tartarugas, os pássaros e um pavão representam esta mãe que o ser humano aos poucos tem dizimado.
João Timane viajou por alguns edifícios históricos da cidade de Maputo, o edifício dos caminhos de Ferro de Moçambique e a Ponte Maputo-Katembe. Os lugares religiosos não ficaram de fora, a igreja Santo António da Polana está rabiscada no mural como o seu formato original, sem esquecer a Catedral de Maputo onde o Arcebispo de Maputo Dom Francisco Chimoio, domingo à domingo celebra as missas.
Como não podia faltar, algumas obras remetem a angústia, tristeza e a pobreza, uma verdade que cerca muitos moçambicanos. São pinturas abstractas que deixam o apreciador em transe de consciência.
E como se diz por aí nas conversas dos bares e cafés, sem educação não há futuro, neste contexto Timane traz no mural este aspecto e, o livro sob os pés de uma rapariga nos leva a crer nessa realidade.
Malhangalene ganhou uma galeria ao ar livre, todos têm acesso sem restrição de condição económica, raça e credo religioso, qualquer transeunte que caminha por aquela parte da cidade pode ver a imagem de Nelson Mandela sorrindo.
O mural da Malhangalene é a prova vive de que a arte não tem fronteiras, leva a viajar sem sair do lugar, é caso para dizer que naquele pequeno muro de concreto o jovem artista João Timane escreveu a sua mais longa biografia artística, que será lida por diversas gerações.

sábado, 2 de maio de 2020

Museu Mafalala recebe a exposição virtual "Até Couve de 19 Subiu"

A pandemia da Covid-19 transformou o mundo da arte. As ditas "Lives" viraram uma das únicas formas para os artistas mostrarem o seu trabalho ao público. As artes plásticas, não ficam atrás nesta nova forma de mostrar a arte, a razão disso é que Museu Mafalala vai acolher no intervalo de 15 de Maio à 15 de Junho, uma exposição colectiva de artes plásticas virtual, denominada "Até Couve de 19 Subiu".


Segundo o comunicado de imprensa publicado na página da plataforma Facebook  de "Nós Arte Arte",  a "expo" que vai juntar 19 artistas, visa reflectir sobre o coronavírus, as novas formas de convivência face a pandemia e, o surgimento de novas estéticas e modalidades artísticas que derivam desta nova calamidade mundial. Sendo a couve um alimento que faz parte do cardápio das famílias moçambicanas, essa exposição colectiva virtual também vai se sombrear no impacto da Covid-19 na renda familiar do cidadão comum, com principal incidência na cesta básica. 
"Até Couve de 19 Subiu", antecipa as celebrações do dia Mundial dos museus que comemora-se à 18 de Maio, com o lema: "Museus para igualdade: diversidade e inclusão".
A exposição vai contemplar ao longo dos 30 dias, conversas virtuais com os artistas, sendo o dia da inauguração à 15 de Maio a primeira sessão.
Para aceder a "Até Couve de 19 Subiu", o visitante deve seguir e estar conectado as redes sociais do Museu Mafalala, Facebook e Instagram. As obras expostas estarão igualmente a venda numa plataforma on-line que será anunciada pelos organizadores.
A exposição está sob curadoria do movimento "Nós Arte", com a coordenação do artista plástico moçambicano "Chicken".
Dentre os artistas farão parte, Pinto Zulo, Sandra Pizura, Chicken, entre outros.
O projecto tem como apoio, o Museu Mafalala, Line Art e Emídio Jozine.
Importa repisar que a exposição será inaugurada no dia 15 de Maio, as 18h na página do Instagram e Facebook do Museu da Mafalala. Vai albergar 19 artistas e mais de 19 obras de arte.

Salvador Muchidão: "minha avó foi sempre minha fonte de inspiração"

O poema "doutora és tu minha mãe", de Salvador Muchidão até ao momento constitui um dos textos mais partilhados na redes sociais. A poesia que nasceu da vontade de Salvador em escrever à sua avó, inspirou homens e mulheres a homenagear seus parentes mais próximos. 
O Jovem poeta Muchidão, que entra no mundo da poesia em 2008, abriu as portas da sua alma para a Massala Arte, para falar dos seus projectos e pretensões no mundo literário.
Salvador Muchidão
Massala Arte  (MA): Quem é Salvador Muchidão?
Salvador  Muchidão(SM): Salvador Muchidão, é um jovem de 26 anos de idade, licenciado em Direito pela UEM, Universidade onde foi presidente da associação de estudantes e membro do conselho universitário. Actualmente é mestrando em ciências jurídico políticas na Faculdade de Direito da UEM.

MA: como foi sua infância?
SM: Minha infância foi igual a de muitas crianças das famílias pobres, cresci com os meus avós maternos,num ambiente de muita adversidade mas com amor e festa.

MA: Como entra na literatura em particular na poesia?
SM: Entro na poesia em 2008, através de um caderno de poesias de um primo que eu encontrei e fui lendo, dali surge a paixão pela poesia.

MA: Com quantos anos escreveu o seu primeiro poema. E de quê falava?
SM: Foi com 14 anos, era o choro  de uma mãe, falava das lamentações de uma mãe acusada de feitiçaria.

MA: Quais os escritores moçambicanos mais admira?
SM: Mia Couto, Rui de Noronha, Eduardo White e José Craveirinha.

MA: Se tivesse uma oportunidade de escrever uma obra literária com alguém. Que poeta escolheria?
SM: Os que eu admiro já estão mortos, mas dos meus contemporâneos, escolheria o Álvaro Taruma.

MA: Admira algum Declamador/poeta moçambicano. Se sim, Quem?
SM: Admiro muitos, mas o Álvaro tem uma escrita que em particular me interessa.

MA: Se fosse para dar uma definição de poesia. Qual daria?
SM: A poesia é o espelho da alma.

MA: Qual é o teu maior sonho?
SM: Tornar-me num poeta de referência na poesia nacional e internacional. 

MA: De onde surge a ideia de escrever o texto "doutora és tu minha mãe?
SM: Na verdade eu tive sempre na minha avó o poço que a mata a minha sede literária, ela foi sempre a minha fonte de inspiração, o poema surge num desejo de homenagea-la, e demonstrar toda a minha admiração por ela.

MA: Na sua opinião com é que a arte pode servir de terapia neste período de distanciamento social?
SM: A arte é o remédio da alma, esse momento em que nos sentimos cansados, desanimados podemos encontrar nas várias expressões artísticas um fonte de avivamento, de reencontro com a nossa alegria.

MA: Quais são os seus projectos no mundo da poesia?
SM: Eu tenho uma pretensão de fazer da poesia um meio de intervenção social, então meus projectos na literatura estão  em emancipar as classes que sofrem de qualquer estigma. 

MA:Quando será lançado o seu livro?
SM: O lançamento do meu livro está previsto para este ano.

MA: Acha que a sua poesia está a ser bem recebida pelo público?
SM: Acredito que sim, o poema "doutora és tu minha mãe", é até então o poema de um moçambicano mais partilhado nas redes sociais, que teve impacto na lusofonia.